sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A quinhentos metros.

A quinhentos metros os vossos belos olhos desaparecem e essa claridade do vosso rosto, e a fascinação de vossa palavra.
Mas a quinhentos metros torna-se tudo muito reduzido: sois uma pequena figura sem pormenores... vossas singularidades fundem-se em uma sombra neutra e vulgar!
Ao longe caminhais como qualquer pessoa...
(...)Sei que tendes muitas inquietações, há um mês de maio em vossa memória, sei que isto ficou a mais de quinhentos metros e ainda de longe, continuais a sofrer...
Mas para quem vos olha a uma distancia de quinhentos metros, essas dimensão que levais convosco deixam de existir.
Tenho muita pena de tudo isso: mas a pena vai ficando também menor, cada vez menor, à medida que avançais para longe: o sofrimento acompanha seu dono, nós apenas o vemos, e algumas vezes o compreendemos, sem, no entanto, o podemos tomar para nós, desfazê-lo ou dar-lhe outra direção (...) e para nós que não o carregamos apenas ouvimos dizer que existe.
A quinhentos metros, na verdade, há muita ausência, vamos acabando muito depressa. Pensai, que geralmente, neste mundo, há cerca de quinhentos metros de uma pessoa para outra! Somos só desaparecimento.

E apenas quando conseguimos ficar a quinhentos metros de nós mesmos, encontramos algum sossego. Porque, então, é a vez de nossos tormentos mudarem de proporções e aspectos. De serem vistos só de longe, sem pormenores, sem voz, sem ritmo: nem mês de maio, nem flores, nem arroio. Talvez a memória serenada.
Talvez nem a memória... - É assim em quinhentos metros.
(C. Meirelles)

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